No livro do Apocalipse (4,7-9) , fala-se de quatro seres vivos que cercam o trono do Deus Altíssimo: o primeiro ser vivo tinha aspecto de leão, o segundo, de touro, o terceiro tinha rosto humano e o quarto tinha aspecto de águia em voo. Cada ser vivo tem asas e está cheio de olhos por dentro e em volta. Dia e noite proclamam: “Santo, santo, santo, Senhor Deus todo-poderoso, aquele que era, que é e será”.
Trata-se de clara alusão à visão de Ezequiel (1,4-28) que, por sua vez, remonta à simbologia babilônica dos sinais do zodíaco: touro, leão, águia e homem. Ezequiel viu a glória de Deus numa nuvem de fogo, em que se movimentavam quatro seres vivos, cada um com quatro faces e quatro asas: uma figura semelhante a homem, um leão, um boi e uma águia. Essas quatro figuras da visão, auxiliadas por quatro rodas, significam, para os exilados, que Deus não se prende ao templo e que pode se manifestar com toda a sua glória também no exílio.
Os pais da Igreja associaram esses quatro seres vivos com os quatro evangelistas, e a arte cristã os reproduziu em imagem. Quando faltam as figuras dos evangelistas, os seres simbólicos seguram nas mãos os livros abertos dos evangelhos. A tradição e a arte cristã, desde Gregório Magno (séc. VII), fez a seguinte associação com os evangelistas:
A Mateus foi atribuído o ser vivente com rosto de homem e asas de anjo, o que se justifica pelo fato de o evangelho começar com a genealogia de Cristo, o Verbo encarnado, o Deus conosco, aquele em quem as Escrituras se cumprem. Tal relação vem nos dizer que antes do ser cristão, é preciso assumir-se como ser humano.
O Leão é distintivo de Marcos, que inicia o evangelho com a pregação de João Batista no deserto em meio a animais selvagens. A voz do leão lembra também a voz dos profetas denunciando o que contraria o reino de Deus. O leão dorme de olhos abertos, é símbolo da ressurreição, indicando que o discípulo e a discípula de Cristo precisam ter coragem em meio a este mundo.
O Touro, animal do sacrifício no AT, é atribuído a Lucas, relação apoiada na percepção de que o seu evangelho começa e termina no templo, lugar dos sacrifícios de bois e ovelhas. Mas o verdadeiro sacrifício para o qual Lucas aponta é o da Cruz de Jesus, fincada em Jerusalém, após ele ter percorrido longo caminho com os discípulos. O destino do discípulo e da discípula é o mesmo do Mestre.
A Águia é a única, dentre todos os animais, capaz de fitar diretamente a luz do sol. E João é o evangelista que inicia seu evangelho falando da verdadeira luz e propondo que a contemplação de Deus seja feita, no Verbo que se fez carne, com um olhar que liga céu e terra. A águia, aos 40 anos, passa por uma profunda transformação, para um voo de renovação que a prepara para mais 30 anos de vida. João, em seu evangelho, propõe um caminho de maturidade. Chama Nicodemos, um homem já feito, a nascer de novo (cf. Jo 3,3-5). A pessoa que segue Jesus deve ser uma águia, em perene transformação.
Essas quatro figuras lembram que os evangelhos são quatro olhares dirigidos para o Cristo, que está no centro, quatro olhares diferentes sobre o mesmo mistério.
Texto: Ir. Penha Carpanedo, pddm